Vincent van Gogh foi morar em Paris em 1886. Na época, todo pintor queria ir para lá. A cidade vivia repleta de artistas e tinha um fervilhante mercado de arte. Mas não era isso o que Vincent realmente queria.
Em fevereiro de 1886, sua situação financeira era tão ruim que ele não estava conseguindo pagar seu aluguel em Antuérpia. Foi quando resolveu ir para Paris, morar com o irmão.
Escreveu a Theo em um bilhete: "Não fique chateado comigo por eu ter vindo tão de repente. Eu pensei muito e acho que assim vamos economizar tempo." Eles já tinham conversado sobre isso, mas a mudança estava prevista para alguns meses mais tarde.
Era o início de um período de dois anos que permitiu grandes transformações no seu trabalho: dos tons sombrios de sua pintura realista inicial para uma arte de cores e texturas intensas.
Theo van Gogh morava em Montmartre, o bairro dos artistas, e trabalhava para Goupil & Cie, uma das mais importantes casas do mercado de arte francês e internacional (um tio de Theo e Vincent havia sido sócio do fundador da empresa).
A cena era dominada por impressionistas, pontilhistas, divisionistas, pintores interessados na exploração da luz e da sombra, buscando representar a luz na tela com pinceladas de cores puras que se misturavam no olho do observador. Mas lá estavam também os cloisonnistes, que pintavam figuras com cores puras, também, mas em áreas lisas, chapadas, e com contornos pretos.
Van Gogh teve contato com todos eles e experimentou todas as tendências, absorvendo um pouco de cada uma delas e tentando encontrar sua própria linguagem. Aprendeu novas técnicas e estilos com muitos dos artistas que conheceu.
Antes de Paris, van Gogh era muito influenciado pela pintura de Rembrandt e outros grandes pintores holandeses, e pela nova pintura realista da Escola de Haia, entre eles seu primo Anton Mauve, que foi com quem teve as primeiras aulas de pintura de sua vida. Com uma paleta extremamente sombria, buscava registrar a vida também sombria das classes desprivilegiadas. "Os comedores de batata", talvez o quadro mais icônico dessa fase, foi pintado um ano antes de sua mudança a Paris. Na verdade, foi somente no segundo ano em Paris que sua pintura veio a adquirir a paleta de cores intensas que conhecemos hoje.
Entre outras coisas, de Émile Bernard e Paul Gauguin, cloisonnistes, veio um estilo mais bi-dimensional de representação pictórica, cores puras em áreas lisas e nitidamente contornadas. Adolphe Monticelli o influenciou nas pinceladas grossas, os impastos, a tinta em alto relevo (e foi a obra de Monticelli que acabou levando Vincent a Arles mais tarde). E dos impressionistas e divisionistas veio a influência mais evidente: o culto à luz natural e sua representação na tela em pinceladas de cores puras, justapondo pinceladas finas de cores opostas.
Costuma-se dizer que a razão de van Gogh deixar Paris, rumo ao Mediterrâneo, Arles especificamente, foi a busca de um clima mais ensolarado e luminoso para pintar. Mas, por uma outra ótica, talvez tenha sido a grade frustração por não se cumprir sua expectativa de ver seu trabalho aceito e valorizado na grande capital cultural. A última tela que pintou em Paris, um auto retrato segurando uma paleta e pincéis, diz muito a esse respeito. Tristeza e cansaço dominam seu semblante.