Sob um vasto céu gris, numa grande campina poenta, sem caminhos, sem ervas, sem um cardo nem uma urtiga, eu encontrei muitos homens que marchavam curvados. Cada um deles carregava nas costas uma enorme Quimera, tão pesada quanto um saco de farinha ou de carvão, ou então os petrechos de um legionário romano.

Sob um vasto céu gris, numa grande campina poenta, sem caminhos, sem ervas, sem um cardo nem uma urtiga, eu encontrei muitos homens que marchavam curvados.

Cada um deles carregava nas costas uma enorme Quimera, tão pesada quanto um saco de farinha ou de carvão, ou então os petrechos de um legionário romano.

Porém o monstruoso bicho não era uma carga inerte; pelo contrário, ele envolvia e apertava o homem com seus músculos elásticos e potentes, cravava duas garras compridas no peito da sua cavalgadura, e a cabeça fabulosa dele sobrepujava a testa do homem como um daqueles elmos horríveis por meio dos quais os antigos guerreiros procuravam acrescentar terror ao inimigo. Eu abordei um desses homens e perguntei-lhe aonde eles iam assim. O homem respondeu que nem ele nem os outros sabiam nada disso, mas que, evidentemente, eles se dirigiam para algum lugar, impelidos por uma invencível necessidade de marchar.

Coisa estranha a notar: nenhum desses viajantes parecia irritado com a besta-fera suspensa no seu pescoço e colada às suas costas, como se a considerasse parte dele mesmo. Todos esses rostos cansados e sérios não testemunhavam desespero algum; sob a cúpula tediosa do céu, os pés engolfados na poeira de um solo tão desolado quanto aquele céu, eles caminhavam com a fisionomia resignada de quem se vê condenado à eternal esperança.

E o cortejo passou a meu lado e afundou-se na atmosfera do horizonte, lá onde a superfície arredondada do planeta se esquiva à curiosidade do olhar humano.

E, durante alguns instantes, obstinei-me em querer compreender esse mistério, mas pouco depois uma irresistível indiferença veio desabar sobre mim, e eu fiquei mais oprimido por ela do que os homens pelas suas esmagadoras Quimeras.

— Charles Baudelaire, de O Esplim de Paris: pequenos poemas em prosa (1869) — (Não sei de quem é a tradução).

Abaixo, o texto original, de uma edição de 1926 da obra completa de Charles Baudelaire, publicada em Paris por Louis Conard.

CHACUN SA CHIMÈRE

Sous un grand ciel gris, dans une grande plaine poudreuse, sans chemins, sans gazon, sans un chardon, sans une ortie, je rencontrai plusieurs hommes qui marchaient courbés.

Chacun d'eux portait sur son dos une énorme Chimère, aussi lourde qu'un sac de farine ou de charbon, ou le fourniment d'un fantassin romain.

Mais la monstrueuse bête n'était pas un poids inerte; au contraire, elle enveloppait et opprimait l'homme de ses muscles élastiques et puissants; elle s'agrafait avec ses deux vastes griffes à la poitrine de sa monture; et sa tète fabuleuse surmontait le front de l'homme, comme un de ces casques horribles par lesquels les anciens guerriers espéraient ajouter à la terreur de l'ennemi.

Je questionnai l'un de ces hommes, et je lui demandai où ils allaient ainsi. Il me répondit qu'il n'en savait rien, ni lui, ni les autres; mais qu'évidemment ils allaient quelque part, puisqu'ils étaient poussés par un invincible besoin de marcher.

Chose curieuse à noter: aucun de ces voyageurs n'avait l'air irrité contre la bête féroce suspendue à son cou et collée à son dos; on eût dit qu'il la considérait comme faisant partie de lui-même. Tous ces visages fatigués et sérieux ne témoignaient d'aucun désespoir; sous la coupole spleenétique du ciel, les pieds plongés dans la poussière d'un sol aussi désolé que ce ciel, ils cheminaient avec la physionomie résignée de ceux qui sont condamnés à espérer toujours.

Et le cortège passa à côté de moi et s'enfonça dans l'atmosphère de l'horizon, à l'endroit où la surface arrondie de la planète se dérobe à la curiosité du regard humain. Et pendant quelques instants je m'obstinai à vouloir comprendre ce mystère; mais bientôt l'irrésistible indifférence s'abattit sur moi, et j'en fus plus lourdement accablé qu'ils ne l'étaient eux-mêmes par leurs écrasantes Chimères.

La Chimère, Monsieur Desprez (Louis Jean Desprez, ), água-forte, 1777–84
La Chimère, Monsieur Desprez (Louis Jean Desprez - 1743-1804), ca. 1777–84, gravura a água-forte, 28.8 x 36.6 cm, Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

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