L'Origine du Monde, essa deliciosa obra de Courbet, pintada em 1866, sempre a achei meio estranha. Esse enquadramento, esse close no abdômen da figura, isso nunca me pareceu coerente com os conceitos estéticos da época.

Pois agora talvez esteja explicado.

Gustave Courbet, A Origem do Mundo, óleo sobre tela, 46 x 55 cm, 1866, museu d'Orsay, Paris ©photo Musée d'Orsay
Gustave Courbet, A Origem do Mundo, óleo sobre tela, 46 x 55 cm, 1866, museu d'Orsay, Paris ©photo musée d'Orsay

O Museu D'Orsay, proprietário da tela desde 1995 (ela pertencia antes a Jacques Lacan, o psicanalista), afirma de pés juntos (por enquanto, pelo menos) que o quadro sempre foi assim, que Courbet o pintou nesse formato. Mas um colecionador inglês encontrou há uns três anos, por acaso, num brique em Paris, uma tela com uma cabeça que, se for correta sua tese, era a parte de cima dessa pintura, que teria sido cortada para, talvez, preservar a identidade da modelo, por causa das reações negativas do público.

A tela da cabeça achada
A tela encontrada, que mostra o rosto da modelo

Jean-Jacques Fernier, conceituado especialista em Courbet, examinou a tela e aderiu à tese de que a cabeça e o abdômen realmente pertenciam ao mesmo quadro (e à mesma modelo, claro). Foram feitas análises técnicas dos materiais e se concluiu que os pigmentos são os mesmos em ambos as telas, e que o material da tela também é o mesmo. A forma de aplicação da tinta, segundo Fernier, também indica uma continuidade entre os dois fragmentos.

Jean-Jacque Fernier
Jean-Jaques Fernier mostra como acha que era originalmente a obra

A notícia e a foto do quadro achado foram publicadas pela primeira vez na revista francesa Paris Match no início de 2013, causando um certo alvoroço. A primeira reação do museu d'Orsay foi, é claro, dizer que não tem pé nem cabeça a tese de que seu valioso e famoso quadro é apenas um pedaço de uma tela maior, de uma obra mais enquadrada nos padrões de composição do século XIX. Afinal, a tela, do jeito como está, atrai um grande número de visitantes para o museu, e estudiosos já a usaram inúmeras vezes como reafirmação da originalidade e ousadia de Courbet.

A obra Mulher com Papagaio, de 1866, mesmo ano de A Origem do Mundo, serve como exemplo dos nus que Courbet costumava de pintar: imagens que desafiavam alguns conceitos, mas que ainda assim não fugiam à tradição clássica. Na cabeça de Courbet, essa tradição estética estava sempre presente.

Mulher com Papagaio, óleo sobre tela, 1866, The Metropolitan Museum, NY
Mulher com Papagaio, óleo sobre tela, 1866, The Metropolitan Museum, NY

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